(Fotografia de Luís Borges)
“Dizem
os textos sagrados que tudo tem o seu tempo…
E
que há tempo para todo o propósito debaixo do céu…
Pois,
o amor também tem os seus tempos…
E
ele muda como mudam as estações…
A
primavera, por exemplo, é o tempo da pressa…
As
plantas, que por meses haviam hibernado sob o frio…
Repentinamente
despertam do seu sono…
Rompem
da noite para o dia e exibem, sem o menor pudor, as suas flores…
Até
parece uma beleza apressada….
É
que a primavera é curta…
Antes
que venha o verão, é preciso espalhar o sémen com urgência…
Para
garantir a continuidade da vida…
Por
isso se exibem assim, com a sua nudez colorida e perfumada…
Para
atrair os parceiros do amor…
Ah!
Não éramos nós também assim quando fomos jovens?
Quando
a sexualidade despertou com todo o seu furor…
Era
só isso que importava: o coito…
Passado
o êxtase, ia-se o interesse…
Depois,
chega o verão, o tempo em que a fúria reprodutiva já se esgotou…
Tempo
maduro… Tempo da rotina sexual a ser cumprida…
Vai-se
o encantamento, os olhos e as mãos cansam-se da mesmice…
E vem
a saudade da juventude que já passou…
Cumprido
o ato, vem o silêncio…
Eis
que chega o outono, a estação de uma nova redescoberta…
Agora
é um tempo sem urgência, sem obrigação…
A
natureza está tranquila…
Na
adolescência qualquer mulher servia…
Porque
o sexo era comandado pelas pressões vulcânicas das hormonas…
Agora,
o sexo deixou de ser movido pela bioquímica que circula no sangue…
E
passa a ser movido pela beleza…
O
amor torna-se uma experiência estética…
O
outono é, pois, um tempo de tranquilidade…
É bom
estar juntos, de mãos dadas, sem fazer nada…
O
outono é o tempo do amor feliz…
Tempo
de delicadeza…
Não,
não é um tempo de adormecer, muito menos morrer…
Porque
há muito amor ainda por viver…
É um
tempo, também, de relembrar…
Lembrar
das coisas que derrubámos, das palavras que não ouvimos…
E dá
uma vontade de fazer o tempo voltar para poder refazer o que foi desfeito…
Para
recolher todo o sentimento e colocá-lo no corpo outra vez…
Há,
pois, que renascer…
Sim,
voltar a viver…
Reaprender
as palavras que o amor sabe dizer…
Palavras
que são reinventadas neste tempo da delicadeza…
O
outono da vida é um tempo misterioso…
Em
que é preciso amar cuidadosamente com o olhar…
Com
os ouvidos, com a mão que tateia para não ferir…
É que
ainda há tempo…
Para
reencontrar o amor…
E
passar o resto da vida navegando no rio da delicadeza…”
(In "O amor... Sempre o amor...")