A POESIA... É DO LEITOR...

“O poeta inspira-se… A poesia nasce… O que fica a faltar? Lerem-me, caros leitores! Leiam-me como se eu fosse o vosso último alimento… Leiam-me como se não houvesse amanhã… Leiam-me e extraiam de mim a vossa derradeira inspiração… Leiam-me como se eu fosse o céu que vos sustenta… Ou, simplesmente… Como se eu fosse apenas um outro alguém… Ainda que sendo eu simples poesia... Leiam-me... Para que eu passe a fazer também parte de vós…”

27 outubro 2022

TEMPO DE DELICADEZA…

 

                                                                        (Fotografia de Luís Borges)


“Dizem os textos sagrados que tudo tem o seu tempo…

E que há tempo para todo o propósito debaixo do céu…

Pois, o amor também tem os seus tempos…

E ele muda como mudam as estações…

A primavera, por exemplo, é o tempo da pressa…

As plantas, que por meses haviam hibernado sob o frio…

Repentinamente despertam do seu sono…

Rompem da noite para o dia e exibem, sem o menor pudor, as suas flores…

Até parece uma beleza apressada….

É que a primavera é curta…

Antes que venha o verão, é preciso espalhar o sémen com urgência…

Para garantir a continuidade da vida…

Por isso se exibem assim, com a sua nudez colorida e perfumada…

Para atrair os parceiros do amor…

Ah! Não éramos nós também assim quando fomos jovens?

Quando a sexualidade despertou com todo o seu furor…

Era só isso que importava: o coito…

Passado o êxtase, ia-se o interesse…

Depois, chega o verão, o tempo em que a fúria reprodutiva já se esgotou…

Tempo maduro… Tempo da rotina sexual a ser cumprida…

Vai-se o encantamento, os olhos e as mãos cansam-se da mesmice…

E vem a saudade da juventude que já passou…

Cumprido o ato, vem o silêncio…

Eis que chega o outono, a estação de uma nova redescoberta…

Agora é um tempo sem urgência, sem obrigação…

A natureza está tranquila…

Na adolescência qualquer mulher servia…

Porque o sexo era comandado pelas pressões vulcânicas das hormonas…

Agora, o sexo deixou de ser movido pela bioquímica que circula no sangue…

E passa a ser movido pela beleza…

O amor torna-se uma experiência estética…

O outono é, pois, um tempo de tranquilidade…

É bom estar juntos, de mãos dadas, sem fazer nada…

O outono é o tempo do amor feliz…

Tempo de delicadeza…

Não, não é um tempo de adormecer, muito menos morrer…

Porque há muito amor ainda por viver…

É um tempo, também, de relembrar…

Lembrar das coisas que derrubámos, das palavras que não ouvimos…

E dá uma vontade de fazer o tempo voltar para poder refazer o que foi desfeito…

Para recolher todo o sentimento e colocá-lo no corpo outra vez…

Há, pois, que renascer…

Sim, voltar a viver…

Reaprender as palavras que o amor sabe dizer…

Palavras que são reinventadas neste tempo da delicadeza…

O outono da vida é um tempo misterioso…

Em que é preciso amar cuidadosamente com o olhar…

Com os ouvidos, com a mão que tateia para não ferir…

É que ainda há tempo…

Para reencontrar o amor…

E passar o resto da vida navegando no rio da delicadeza…”


(In "O amor... Sempre o amor...")

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