(Fotografia da Internet)
“Espelhos,
há muitos…
Mas…
De que espelhos falamos?
Há-os
bons e há os maus…
Sim,
os que nos favorecem e os que nos detraem…
E,
também… Os que são apenas honestos…
Mas
como perceber o ponto dessa honestidade?
Como
é que somos, de facto, no visível?
Se
nunca pensámos nisto…
É
porque vivemos de modo incorrigível…
Distraídos
das coisas mais importantes…
Ainda
que os próprios olhos de cada um de nós…
Permaneçam
viciados de origem…
Ou
não fossem os olhos a porta do engano…
Duvidemos,
pois deles, não de nós…
Mas,
entenda-se que estes reparos limitam-se apenas aos espelhos planos…
Os
de uso comum…
Os
demais — côncavos, convexos, parabólicos…
Desses,
rimo-nos, nos parques de diversões…
Quando
nos reduzem a mostrengos, esticados ou globosos…
Mas
se só usamos os planos…
Deve-se
a que a humanidade primeiro mirou-se nas superfícies das águas quietas…
Contudo,
tal como já haviam predito ao belo Narciso…
Só
se vive apenas enquanto a si mesmo não se vê…
Pois…
Também há uns tempos atrás eu me vi ao espelho…
E
logo me questionei:
«Quem
sou eu, afinal?»
Desde
aí, comecei a procurar-me…
Não
a mim… Mas ao eu por detrás de mim…
E
foi nesse momento… De olhos contra os olhos…
Que
vislumbrei para lá de uma máscara…
Porque,
o resto… O rosto… Muda constantemente…
Sendo
assim...
Necessitava
eu de transverberar aquela máscara…
E
encontrar a minha vera forma…
Pouco
a pouco, no campo-de-vista do espelho…
A
minha figura reproduzia-se-me lacunar…
Com
atenuadas, quase apagadas de todo, aquelas partes excrescentes…
Optei,
então, por tratar as outras componentes…
Aquelas
mais contingentes e ilusivas…
Comecei
pelo elemento hereditário — as parecenças com os progenitores…
Que
são também, nos nossos rostos, um lastro evolutivo residual…
E,
em seguida, o que se deveria ao contágio das paixões…
Manifestadas
ou latentes…
O
que ressaltava das desordenadas pressões psicológicas transitórias…
E,
ainda, o que no meu rosto se materializa como ideias e sugestões de outrem…
Mas,
sem menos, logo me acovardei…
E
preferi deixar de me olhar em mais qualquer espelho…
Até
ao dia em que voltei a olhar num espelho e já não me vi…
Não
vi nada…
Só o
campo, a vacuidade aberta à dispersão da luz…
Ofuscando
tudo…
Eu
não tinha formas, nem sequer um rosto…
Eu
era agora apenas um transparente contemplador…
Despojara-me
até à total desfigura…
Serei
eu, afinal, um… Desalmado?
Então,
o que se me fingia de um suposto eu…
Não
era mais que um pouco de herança, de soltos instintos…
Energia
passional estranha, um entrecruzar-se de influências…
E
tudo o mais que na impermanência se indefine…
O
espírito do viver não passando de ímpetos espasmódicos…
Relampejados
entre miragens…
A
esperança e a memória…
Mas…
Será, afinal, que existo?”
(In "Crónicas Mundanas...")