A POESIA... É DO LEITOR...

“O poeta inspira-se… A poesia nasce… O que fica a faltar? Lerem-me, caros leitores! Leiam-me como se eu fosse o vosso último alimento… Leiam-me como se não houvesse amanhã… Leiam-me e extraiam de mim a vossa derradeira inspiração… Leiam-me como se eu fosse o céu que vos sustenta… Ou, simplesmente… Como se eu fosse apenas um outro alguém… Ainda que sendo eu simples poesia... Leiam-me... Para que eu passe a fazer também parte de vós…”

12 fevereiro 2023

ESPELHO EXISTENCIAL…

 

                                                                 (Fotografia da Internet)


“Espelhos, há muitos…

Mas… De que espelhos falamos?

Há-os bons e há os maus…

Sim, os que nos favorecem e os que nos detraem…

E, também… Os que são apenas honestos…

Mas como perceber o ponto dessa honestidade?

Como é que somos, de facto, no visível?

Se nunca pensámos nisto…

É porque vivemos de modo incorrigível…

Distraídos das coisas mais importantes…

Ainda que os próprios olhos de cada um de nós…

Permaneçam viciados de origem…

Ou não fossem os olhos a porta do engano…

Duvidemos, pois deles, não de nós…

Mas, entenda-se que estes reparos limitam-se apenas aos espelhos planos…

Os de uso comum…

Os demais — côncavos, convexos, parabólicos…

Desses, rimo-nos, nos parques de diversões…

Quando nos reduzem a mostrengos, esticados ou globosos…

Mas se só usamos os planos…

Deve-se a que a humanidade primeiro mirou-se nas superfícies das águas quietas…

Contudo, tal como já haviam predito ao belo Narciso…

Só se vive apenas enquanto a si mesmo não se vê…

Pois… Também há uns tempos atrás eu me vi ao espelho…

E logo me questionei:

«Quem sou eu, afinal?»

Desde aí, comecei a procurar-me…

Não a mim… Mas ao eu por detrás de mim…

E foi nesse momento… De olhos contra os olhos…

Que vislumbrei para lá de uma máscara…

Porque, o resto… O rosto… Muda constantemente…

Sendo assim...

Necessitava eu de transverberar aquela máscara…

E encontrar a minha vera forma…

Pouco a pouco, no campo-de-vista do espelho…

A minha figura reproduzia-se-me lacunar…

Com atenuadas, quase apagadas de todo, aquelas partes excrescentes…

Optei, então, por tratar as outras componentes…

Aquelas mais contingentes e ilusivas…

Comecei pelo elemento hereditário — as parecenças com os progenitores…

Que são também, nos nossos rostos, um lastro evolutivo residual…

E, em seguida, o que se deveria ao contágio das paixões…

Manifestadas ou latentes…

O que ressaltava das desordenadas pressões psicológicas transitórias…

E, ainda, o que no meu rosto se materializa como ideias e sugestões de outrem…

Mas, sem menos, logo me acovardei…

E preferi deixar de me olhar em mais qualquer espelho…

Até ao dia em que voltei a olhar num espelho e já não me vi…

Não vi nada…

Só o campo, a vacuidade aberta à dispersão da luz…

Ofuscando tudo…

Eu não tinha formas, nem sequer um rosto…

Eu era agora apenas um transparente contemplador…

Despojara-me até à total desfigura…

Serei eu, afinal, um… Desalmado?

Então, o que se me fingia de um suposto eu…

Não era mais que um pouco de herança, de soltos instintos…

Energia passional estranha, um entrecruzar-se de influências…

E tudo o mais que na impermanência se indefine…

O espírito do viver não passando de ímpetos espasmódicos…

Relampejados entre miragens…

A esperança e a memória…

Mas… Será, afinal, que existo?”


(In "Crónicas Mundanas...")

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