“Este
é certamente um tempo bom para vivermos…
E
para todos aqueles que querem investir na sua própria reconstrução…
Mas hoje
vimos refletir um pouco sobre o futuro…
E
sabemos de antemão que escolher o futuro como tema…
É
enfrentar um universo de conflitos e de ambiguidades…
Porque
o futuro apenas existe numa dimensão duvidosa…
Por
vezes, ele desponta como se fosse um chão concreto…
Porém,
na maior parte das vezes ele é frágil e nebuloso…
Como
uma linha de horizonte que se desfaz quando nos aproximamos…
E é
neste conflito entre a expetativa e a realidade…
Que
é comum o sentimento de desapontamento…
Que nos
faz pensar que, no passado, o futuro já foi melhor…
Na verdade,
no momento atual e global…
Quem
é que quer saber do futuro…
E
parece recíproco, pois, o futuro também não quer saber de ninguém!
Estamos
tão entretidos em sobreviver que nos consumimos no presente imediato…
Para
uma grande maioria, o porvir tornou-se até um luxo…
Fazer
planos para o futuro é uma ousadia que a grande maioria perdeu direito…
Como
se não bastasse sermos exilados da atualidade…
Fomos
expulsos do futuro!
Ah! O
amanhã tornou-se demasiado longe…
E mais
do que longínquo, tornou-se improvável…
Estamos,
pois, perante mais um profundo alheamento generalizado…
Ou
não passássemos nós de temporários viajantes do Tempo…
Mas
existe uma outra dificuldade acrescida que nos impede de ver o futuro…
É que
o tempo é entendido como uma entidade circular…
A ideia
deste tempo esférico…
É
uma categoria dos que vivem sob o domínio da oralidade…
Foi
a escrita que introduziu a ideia de um tempo linear…
Para
a oralidade, só existe o que se traduz em presença…
Só é
real aquele com quem podemos falar…
E só
o podemos fazer no presente, que é o tempo vivo e o tempo dos viventes…
Mas
grande parte de nós, humanos, lida com categorias de tempo bem diferentes…
Para
alguns, o futuro não só não tem nome como a sua nomeação é interdita…
Inclusive,
para algumas línguas não há equivalente para o termo ‘futuro’…
Talvez, apenas, um tempo por inaugurar…
A
noção de futuro trabalha num território que é do domínio sagrado…
Antever
o futuro é uma heresia, uma visita não autorizada…
Todavia,
mudar de conceitos sobre o tempo leva tempo…
E
quem fala de tempo fala da espera e da sua irmã gémea, a esperança…
Infelizmente
foi-se generalizando no mundo uma atitude de descrença…
O
acumular de crises convidam-nos a uma desistência da alma…
Todos
os dias uma silenciosa mensagem subliminar sugere-nos que o futuro não existe…
Há
que viver o dia-a-dia!
Reina
a expetativa do depressa e muito…
Pagaremos
mais tarde esta ilusão de grandeza e velocidade…
A
vida nos dirá que o depressa sai caro e o muito só é muito para muito poucos…
Mas,
talvez a questão que temos de colocar aqui seja esta:
Como
pedir a um jovem de hoje que abdique do prazer do momento?
Antes
havia um uma razão redentora…
Na
forma de uma causa religiosa, ou de um discurso político…
Hoje
essa razão de longo prazo está esbatida…
Necessitamos
de reescrever uma narrativa nova…
De inventar
um novo tempo que seja brilhante e sedutor…
E
que dê sentido às escolhas de longa duração…
Que
dê valor à esperança e à moralidade enquanto investimentos a longo prazo…
Necessitamos
de ter a certeza de que vale a pena esperar sem receio…
Fiz parte de uma geração que só nos sentíamos existindo...
Enquanto habitantes do futuro…
Acreditávamos
que esse sentimento épico fosse eterno…
Hoje
domesticamos a nossa existência…
Numa
letargia sem horizonte, nem brilho a que chamamos realidade…
Construímos
um mundo que já não é nosso, mas que ainda não é do outro…
Acordamos
desse sonho com a sensação de estranheza…
Estamos
despertando para um mundo em que podemos e devemos ainda sonhar…
A
diferença é que esse mundo já não nos inclui nos seus sonhos…
Somos,
em simultâneo, do tempo da utopia e do tempo dos predadores…
Ah!
Mas que belos tempos em que tínhamos pouco, mas acreditávamos muito…
Não
éramos apenas jovens sonhadores…
Mas janelas
abertas para a esperança…
E
assim nos redimimos da nossa condição precária…
E
nos salvávamos da miséria maior que é ser-se invisual para o destino…
E através
da esperança ganhámos acesso ao mundo e ao futuro…
Ainda
que também tenhamos sido catapultados…
Para
fora de uma relação apaixonada com o nosso lugar e o nosso tempo…
Esse
empurrão foi sucedendo passo-a-passo em todos nós…
E de
modo tão suave que transitamos não apenas de sítio, mas de caminho…
Nós
já não fazemos a mesma viagem…
Muitos
de nós nem sequer acreditam fazer viagem alguma…
Hoje,
a turbe desesperada converte-se em chão magoado…
Para
que outros alcancem a terra do paraíso….
E que
esse paraíso seja ilusório, isso pouco importa…
Hoje
foge-se de um futuro nado-morto…
Se
olharmos hoje para o mundo vemos o universo…
Um
universo de miséria inqualificável!
O
que falhou, afinal, no Homem?
Ou
terá falhado algo para além do Homem?
Talvez
todo um sistema que se propôs tornar-nos mais humanos e mais felizes…
No
passado, era preciso esperança para ter coragem…
Hoje
é preciso coragem para ter esperança!
Outrora,
nós sonhámos um futuro porque éramos sonhados por esse mesmo futuro…
Agora,
pedimos ao universo que nos devolva a esperança…
Mas
não obtemos resposta, o universo parece estar ausente…
A
única coisa que ele nos diz é que ele teve voz enquanto nós fomos essa voz…
Enquanto
nos calarmos, ele também permanecerá no silêncio…
O
que significa que precisamos de recomeçar sempre e sempre…
Quem
vive num labirinto, tem fome de caminhos…
E
quem não mata a fome, fica amargurado, descrente…
Sobretudo,
descrente no futuro…
Como
se nos roubassem o nosso próprio passado…
Mas
não caiamos no desânimo, pois essa é uma doença contagiosa…
E pode
ser fatal…
O
futuro não existe?
Mas
que mal é querermos ter mais futuro…
Ou,
pelo menos, um melhor futuro?
Só
quem ainda tem crença é que poderá entrar neste jogo…
Cujo
fim é reduzir a margem de perda e de risco…
Acreditar
nisto é como devolver forças às pernas e pôr os pés ao caminho…
Já
ouvimos dizer repetidamente que o nosso maior inimigo somos nós mesmos…
O
adversário do nosso progresso está dentro de cada um de nós…
Mora
na nossa atitude, vive no nosso pensamento…
Culpar
os outros, o mundo, em nada nos ajuda…
Só
avançamos se formos capazes de olhar para dentro…
E
encontrar em nós as causas dos nossos próprios erros…
A
haver futuro, ele começa, pois, em nós…
Aí,
acreditamos que seremos não melhores…
Mas
mais humanos e o futuro poderá ser um território nosso…
Onde
o medo esteja tão ausente como nós estamos agora aqui…
Para
celebrar algo que apenas se está a iniciar…
Tal como
nos podemos iniciar a nós próprios…
Queres
saber o que vais ser no futuro?
Pois,
olha para o que fazes hoje!”
(In "Crónicas Mundanas...")