“Nós,
Homens, sabemos que não controlamos o tempo…
Os constantes
instantes que se tornam, afinal, a história do nosso quotidiano…
Também,
por isso, o tempo pode ser encarado das mais diversas maneiras…
Baillard
dividia o tempo em três tipos:
- O
tempo cósmico, o tempo histórico e o tempo existencial…
O
tempo cósmico, da natureza, sujeito ao cálculo matemático…
O
tempo histórico, objetivado, pois a História o testemunha…
Mas
no qual há censuras, face à sua profunda carga humana…
E o
tempo existencial, tempo íntimo, interiorizado, mas não objetivado…
É o
tempo do mundo da subjetividade e não da objetividade…
Mas,
na urbanidade, estes tempos todos comunicam-se entre eles…
Na
medida em que o tempo urbano também é social…
Para
Heidegger, sem o Homem não existe tempo…
Pois,
é deste tempo do Homem, do tempo social contínuo e descontínuo…
Que
não flui de maneira uniforme, que hoje lhe vimos falar…
Ah! De
quantos tipos de tempo poderíamos falar…
Do
tempo matemático, do tempo cósmico, do tempo histórico, do tempo do relógio…
Em
todos estes observamos uma evolução que é assinalável ao longo da História…
O
relógio que foi descoberto num determinado momento da História…
Marca
agora um tempo que é a medida desse mesmo relógio…
Mas
que foi ocupado pela substância social…
O
tempo individual, o tempo vivido, sonhado, vendido e comprado…
Tempo
simbólico, mítico, tempo das sensações, mas com significação limitada…
Aquele
que não é suscetível de avaliação se não referido a esse tempo histórico…
Tempo
sucessão, tempo social, o ontem, o hoje, o amanhã…
Estas
sequências, que nos dão as mudanças que fazem história…
Que
criam as periodizações, isto é, as diferenças de significação…
Mas se
quisermos aprofundar-nos mais no tempo… Ou sobre o tempo…
Precisaríamos
de distinguir entre o tempo como sequência – o transcurso…
Do
tempo como raio de operações – o espaço…
E o
tempo como rapidez de mudanças, como riqueza de operações…
Aí
se vê que o tempo aparece como sucessão, permitindo a tal periodização…
Depois
aparece como raio de operações, isto é, o tempo que nos é concomitante…
Ou
que foi contemporâneo de uma outra geração…
E
são estas duas aceções de tempo que nos permitem perceber o tempo na urbanidade…
Há
uma ordem do tempo que é a das periodizações…
Na urbanidade
atual, a ideia de periodização está muito presente…
É
presente nas cidades que encontramos ao longo da História…
Porque
cada uma delas nasce com características próprias…
Ligadas
às necessidades e possibilidades da época…
E é
presente no presente, à medida que o espaço é formado pelo menos de dois
elementos:
A
materialidade e as relações sociais…
A
materialidade, que é uma adição do passado e do presente…
Porque
está presente diante de nós, mas traz-nos o passado através das formas…
Na
realidade, a paisagem é toda ela passado…
Porque
o presente que escapa das nossas mãos, já é passado também…
A
técnica é, pois, também, sinónimo de tempo:
Cada
técnica representa um momento das possibilidades da realização humana…
E é
a técnica que nos traz as periodizações…
Que
nos permitem reconstituir a paisagem…
Neste
caso, a acumulação de tempos desiguais, que é a paisagem urbana…
Como
ela chegou até nós…
Este
momento no qual vivemos, é, pois, de uma sociedade sincrónica, integral…
Na
qual o homem vive sob a obsessão do tempo…
Sociedade
essa que é, ao mesmo tempo, 'cronofágica'…
E é nesta sociedade 'cronofágica', à qual o tempo cede...
Que nós encontramos a urbanidade…
As
cidades de hoje são como organismos fantasticamente complexos...
Administrar
uma população imensa depende de um só fator: o tempo!
E os
programadores tornaram-se nos senhores absolutos da cidade…
Em breve, a totalidade da existência de cada um...
Será administrada por mais um
ministério:
O
Ministério do Tempo!
Já
se questionaram porque a urbanidade não ostenta mais os seus relógios?
Sim,
ainda existem cidades que têm os seus relógios…
Mas esses
relógios são apenas mais uma mostra da modernidade…
Por
isso, já nem são meras cidades, mas antes 'cronópolis'…
É
que tiveram de se adaptar às assincronias e as dessincronias que se
estabeleceram…
O
império do tempo é muito grande sobre nós…
Mas
é, sobre nós, diferentemente estabelecido…
Nós,
Homens, não temos o mesmo comando do tempo na cidade…
O
que quer dizer que, paralelamente a um tempo que é sucessão…
Temos
um tempo dentro do tempo, um tempo contido no tempo…
Um
tempo que é comandado, aí sim, pelo espaço…
Nesse
momento em que o tempo aparece como havendo dissolvido o espaço…
E
alguns o descrevem assim, a realidade é exatamente oposta…
O
espaço impede que o tempo se dissolva
E qualifica-o
de maneira extremamente diversa para cada ator…
É
verdade que Kant já havia escrito também…
Que
o espaço aparece como uma estrutura de coordenação desses tempos diversos…
O
espaço permite que os Homens com temporalidades diversas…
Coexistam
na mesma cidade, não de modo harmonioso, mas de modo harmónico…
E também
atribui a cada Homem…
Formas
particulares de comando e de uso do tempo…
Formas
particulares de comando e de uso do espaço…
Não fosse assim...
A urbanidade não permitiria a convivência do Homem pobre com o
Homem rico…
Isto
só é possível porque há um tempo dentro do tempo…
Quer
dizer, o recorte sequencial do tempo…
Nós
temos um outro recorte, que é aquele que aparece como espaço…
Esta
temporalização, digamos assim, prática, aparece nos contextos…
Ou
na sucessão de contextos, onde o tempo…
À
imagem de Einstein, se confunde com o espaço…
O
espaço é tempo, concebendo a técnica como tempo…
Incluindo entre as técnicas, não apenas as técnicas da vida material...
Mas as técnicas da
vida social…
Que
vão permitir-nos a interpretação de contextos sucessivos…
De tal maneira que o espaço aparece como coordenador...
Dessas diversas organizações
do tempo…
O
que permite, por conseguinte, nesse espaço tão diverso…
Essas
temporalidades que coabitam no mesmo momento histórico...
De tal maneira que temos de trazer à reflexão...
As noções de tempo longo e de tempo
curto…
Ou
mesmo de tempo rápido e tempo lento…
É
que a urbanidade é o palco dos atores mais diversos que nela coexistem…
Alguns
movimentam-se segundo um tempo rápido, outros, segundo um tempo lento…
De tal maneira...
Que a materialidade que possa parecer como tendo uma única indicação…
Na realidade não a tem...
Porque essa materialidade é atravessada por esses atores,
esses Homens…
Segundo
o tempo, que pode ser lento ou rápido…
Tempo
rápido é o tempo do Homens hegemónicos…
E o
tempo lento é o tempo dos Homens hegemonizados…
A
economia pobre trabalha nas áreas onde a velocidades é lenta…
Quem
necessita de velocidade rápida é o Homem hegemónico…
É para esta classe que tem, por exemplo...
Significação as grandes avenidas urbanas,
ou as autoestradas…
E é
o Homem rico que as usa melhor…
Hoje
querem que viajemos muito depressa…
Foram
criadas as condições materiais para que o tempo gasto na viagem seja curto…
Já no
suburbano, o Homem pobre anda mais devagar…
Pois,
não há uma materialidade que favoreça o tempo rápido…
Aqui,
a materialidade impõe antes um tempo lento…
Ou
seja, o Homem pobre vive dentro da cidade sob um tempo lento…
São
temporalidades concomitantes e convergentes…
Que
têm como base o facto de que também os objetos têm uma certa temporalidade…
Sim,
os objetos também impõem um tempo aos Homens…
A
partir do momento em que criamos objetos…
Depositamo-los
num lugar e eles passam a conformar-se a esse lugar…
Passam
a dar, digamos assim, a cara do lugar…
Esses
objetos impõem à sociedade ritmos, formas temporais do seu uso…
Das quais os Homens não podem furtar-se e que terminam, de alguma maneira...
Por
dominá-los…
Não que
os objetos deixem de ser obedientes e passem a nos comandar…
Os
objetos comandam-nos de alguma maneira…
Mas esse comando dos objetos sobre o tempo...
Consagra essa união entre o espaço e o
tempo…
Mas,
evidentemente, não o espaço e o tempo dos Homens como nós…
Que tentam
viver à margem da urbanidade temporal…”
(Inédito)
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