“Morrer
num hospital é talvez hoje a imagem popular mais terrífica…
Mais
do que qualquer retórica macabra que lemos no passado…
Eu cá,
tenho muito medo de morrer no contexto do mundo em que vivemos…
Morrer acompanhado de humilhações, (des)assistido por seres incompetentes de alma…
E,
ainda por cima, morrer contra a minha vontade…
Sem
que eu possa fazer nada…
Mas
o pior… Ah! O pior é a solidão…
Nem
sequer uma palavra para falar sobre a minha morte…
Muitos dos tão propalados ‘recursos’ científicos...
Que hoje temos para manter vivo um paciente…
São uma
violência ao princípio do respeito pela vida…
Os
médicos deveriam era dar ouvidos ao pedido que a vida está fazendo:
Liberta-me!
Mas
isto da morte tem muito que se lhe diga…
E
depois…
Começamos
a morrer no exato instante em que começamos a viver…
Cada
dia que passa, morremos um pouco mais…
E
hoje estamos mais mortos do que estávamos ontem…
Nesta
era em que vivemos, vivemos a morte como uma experiência marginal…
Ela acontece,
de preferência, oculta dentro de um qualquer hospital...
E,
quando perdemos alguém, a dor que nos consome…
Deve
ser superada rapidamente, de forma asséptica como mais um ato médico…
Se, possível, sem
muito barulho e sem perturbar os amigos…
Pela lei, se perdemos um parente direto...
Temos direito a ausentar-nos cinco dias do
trabalho…
Como
se chegou à conclusão de que cinco dias de luto é suficiente?
Porque
três é pouco e seis é muito?
Será
o primeiro dia para enterrar o morto, o segundo para limpar os armários …
E os
restantes três para chorar?
E depois... A vida continua?
Perdoem-me,
mas hoje morrer é quase uma obscenidade…
E
uma coisa feia que deve ser escondida…
Tornou-se
deselegante sofrer em público por algo tão de mau gosto como a morte…
Se
sofremos além do período considerado socialmente aceitável…
Tornamo-nos
um caso patológico…
O
que precisamos não é um ombro humano, mas antidepressivos…
A
morte só se torna um tema de conversa, quando se transforma na ‘lição final’…
Ah! Morrer
hoje é um fracasso…
Pois
há que transformar o fim das nossas vidas num caso de sucesso…
Poderemos não vencer a morte, mas, naquilo que é essencial para cada um de nós…
Aí
temos de vencer!
Morrer
é lidar com dois factos intrínsecos à vida humana:
- A
impotência e a falta de controle…
Talvez
por isso, a morte se tenha tornado hoje motivo de vergonha…
Ela lembra-nos
do que gostaríamos de esquecer…
Pois, nesta
era de exteriorização, o que mais se vende é a ilusão…
Até
comprimidos se vendem para controlar os sentimentos…
Perpetua-se
a juventude à força de bisturis e cosméticos…
E,
pelo menos a morte, lembra-nos que algo está errado nesta equação…
Podemos
transformar o corpo, mas não evitamos que ele morra…
Podemos
escolher roupas e carros de marca, mas não decidimos deixar de morrer…
Até
podemos fazer as nossas próprias regras…
Mas
entre elas não estará, de certeza, viver para sempre…
É
que a morte confronta-nos com a questão fundamental dos nossos limites…
E
isso, pelo menos a mim, assusta-me…
E também por isso tenho medo de morrer…”
(Inédito)
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