A POESIA... É DO LEITOR...

“O poeta inspira-se… A poesia nasce… O que fica a faltar? Lerem-me, caros leitores! Leiam-me como se eu fosse o vosso último alimento… Leiam-me como se não houvesse amanhã… Leiam-me e extraiam de mim a vossa derradeira inspiração… Leiam-me como se eu fosse o céu que vos sustenta… Ou, simplesmente… Como se eu fosse apenas um outro alguém… Ainda que sendo eu simples poesia... Leiam-me... Para que eu passe a fazer também parte de vós…”

10 setembro 2022

TENHO MEDO DE MORRER...

                                                             (Fotografia da internet)

 

“Morrer num hospital é talvez hoje a imagem popular mais terrífica…

Mais do que qualquer retórica macabra que lemos no passado…

Eu cá, tenho muito medo de morrer no contexto do mundo em que vivemos…

Morrer acompanhado de humilhações, (des)assistido por seres incompetentes de alma…

E, ainda por cima, morrer contra a minha vontade…

Sem que eu possa fazer nada…

Mas o pior… Ah! O pior é a solidão…

Nem sequer uma palavra para falar sobre a minha morte…

Muitos dos tão propalados ‘recursos’ científicos...

Que hoje temos para manter vivo um paciente…

São uma violência ao princípio do respeito pela vida…

Os médicos deveriam era dar ouvidos ao pedido que a vida está fazendo:

Liberta-me!

Mas isto da morte tem muito que se lhe diga…

E depois…

Começamos a morrer no exato instante em que começamos a viver…

Cada dia que passa, morremos um pouco mais…

E hoje estamos mais mortos do que estávamos ontem…

Nesta era em que vivemos, vivemos a morte como uma experiência marginal…

Ela acontece, de preferência, oculta dentro de um qualquer hospital...

E, quando perdemos alguém, a dor que nos consome…

Deve ser superada rapidamente, de forma asséptica como mais um ato médico…

Se, possível, sem muito barulho e sem perturbar os amigos…

Pela lei, se perdemos um parente direto...

Temos direito a ausentar-nos cinco dias do trabalho…

Como se chegou à conclusão de que cinco dias de luto é suficiente?

Porque três é pouco e seis é muito?

Será o primeiro dia para enterrar o morto, o segundo para limpar os armários …

E os restantes três para chorar?

E depois... A vida continua?

Perdoem-me, mas hoje morrer é quase uma obscenidade…

E uma coisa feia que deve ser escondida…

Tornou-se deselegante sofrer em público por algo tão de mau gosto como a morte…

Se sofremos além do período considerado socialmente aceitável…

Tornamo-nos um caso patológico…

O que precisamos não é um ombro humano, mas antidepressivos…

A morte só se torna um tema de conversa, quando se transforma na ‘lição final’…

Ah! Morrer hoje é um fracasso…

Pois há que transformar o fim das nossas vidas num caso de sucesso…

Poderemos não vencer a morte, mas, naquilo que é essencial para cada um de nós…

Aí temos de vencer!

Morrer é lidar com dois factos intrínsecos à vida humana:

- A impotência e a falta de controle…

Talvez por isso, a morte se tenha tornado hoje motivo de vergonha…

Ela lembra-nos do que gostaríamos de esquecer…

Pois, nesta era de exteriorização, o que mais se vende é a ilusão…

Até comprimidos se vendem para controlar os sentimentos…

Perpetua-se a juventude à força de bisturis e cosméticos…

E, pelo menos a morte, lembra-nos que algo está errado nesta equação…

Podemos transformar o corpo, mas não evitamos que ele morra…

Podemos escolher roupas e carros de marca, mas não decidimos deixar de morrer…

Até podemos fazer as nossas próprias regras…

Mas entre elas não estará, de certeza, viver para sempre…

É que a morte confronta-nos com a questão fundamental dos nossos limites…

E isso, pelo menos a mim, assusta-me…

E também por isso tenho medo de morrer…”


(Inédito)

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