A POESIA... É DO LEITOR...

“O poeta inspira-se… A poesia nasce… O que fica a faltar? Lerem-me, caros leitores! Leiam-me como se eu fosse o vosso último alimento… Leiam-me como se não houvesse amanhã… Leiam-me e extraiam de mim a vossa derradeira inspiração… Leiam-me como se eu fosse o céu que vos sustenta… Ou, simplesmente… Como se eu fosse apenas um outro alguém… Ainda que sendo eu simples poesia... Leiam-me... Para que eu passe a fazer também parte de vós…”

30 setembro 2022

ENCONTRO ATÓMICO...

 

                                                                                                                      ('Post' da Internet)


“Olá, como está? Seja muito bem-vindo….

E parabéns…

Estou encantado com o seu sucesso…

É que chegar aqui não é fácil…

Na verdade, devo dizer-lhe que foi um pouco mais difícil do que imagina...

É que para você estar aqui agora a ler-me…

Trilhões de átomos agitados tiveram de reunir-se de uma maneira intrincada…

E providencial a fim de criá-lo…

É uma organização tão especializada e particular que nunca antes foi tentada…

E duplique a parada, pois, foi para os dois…

Mas, lamento dizer-lhe… Só existirá desta vez…

Nos próximos anos (esperamos), estas partículas minúsculas…

Que agora se juntaram todas aqui…

Dedicar-se-ão totalmente aos bilhões de esforços cooperativos necessários…

Para manter-nos intactos e deixar-nos experimentar o estado maravilhoso…

Conhecido como Existência….

Fico, pois, muito grato…

Por se ter decidido a partilhar comigo também a sua experiência atómica…

 Mas saiba uma coisa:

Apesar de toda a nossa atenção, os nossos átomos na verdade nem ligam para nós…

Aliás, eles nem sequer sabem que existimos…

Nem sabem que eles mesmos existem…

São, afinal, partículas insensíveis… E nem estão vivas…

Não passam de um montículo de poeira atómica fina…

Sem nenhum sinal de vida…

Mas, cuidado, pois, durante a sua existência...

Eles responderão a um só impulso dominante:

Fazer com que nós sejamos nós!

A má noticia é que os átomos são muito volúveis…

E o seu tempo de dedicação é bem passageiro…

Mesmo na nossa curta vida humana de apenas cerca de 650 mil horas…

(Sim, vivemos pouco mais que isso)…

E quando este marco modesto for atingido, ou algum outro ponto próximo…

Por motivos desconhecidos, os nossos átomos vão ‘desligar-se’ de nós…

Silenciosamente… Separar-se-ão e passarão a ser outra coisa…

Aí, podemos dizer adeus a esta vida...

E digo-lhe mais:

Mesmo assim, podemos nos dar por muito satisfeitos de que isto chegue a acontecer…

No universo em geral, ao que sabemos, não acontece…

É um facto estranho…

Porque os átomos que tão amigavelmente...

Se reúnem para formar os seres vivos na Terra…

São exatamente os mesmos átomos que se recusam a fazê-lo noutras partes…

Por mais complexa que seja, ao nível químico a vida é curiosamente trivial:

Carbono, hidrogénio, oxigénio e nitrogénio…

Um pouco de cálcio, uma pitada de enxofre…

Umas partículas de outros elementos bem comuns…

Nada que não encontremos na farmácia mais próxima…

E é tudo o que precisamos…

A única coisa especial nos átomos que nos constituem é constituírem-nos a nós…

Ah! Esse é o milagre da vida!

Mas, atenção, quer constituam ou não vida noutros cantos do universo…

Os átomos fazem muitas outras coisas…

Na verdade, fazem todas as outras coisas…

Sem eles, não haveria água, ar ou rochas, nem estrelas e planetas…

Ou qualquer das outras coisas que tornam o universo tão proveitosamente substancial…

Os átomos são tão numerosos e necessários…

Que nos esquecemos facilmente que eles nem precisariam existir…

Nenhuma lei exige que o universo se encha de partículas pequenas de matéria…

Ou produza luz e gravidade...

E as outras propriedades físicas das quais depende a nossa existência…

Na verdade, nem precisaria haver um universo….

Aliás, durante a maior parte do tempo, não existiu…

Não existiram átomos, nem universo pelo qual flutuassem…

Não existia nada… Absolutamente nada por toda a parte!

Portanto, ainda bem que existem os átomos…

Mas o facto de que possuímos átomos...

E de que eles se agrupam de maneira tão prestativa…

É apenas parte do que fez com que nós existíssemos…

Para estarmos aqui agora, vivos no século XXI...

E suficientemente inteligentes para saber disto…

Também tivemos de ser os beneficiários...

De uma cadeia extraordinária de boa sorte biológica…

Pois, a sobrevivência na Terra é ‘algo’ surpreendentemente difícil…

Dos bilhões e bilhões de espécies de seres vivos que existiram desde a aurora do tempo…

A maioria – 99,99% – não está mais aqui…

A vida na Terra, veja bem, além de breve, é desanimadoramente frágil…

Um aspeto curioso de nossa existência...

É provirmos de um planeta exímio em promover a vida…

Mas ainda mais exímio em extingui-la...

A espécie típica na Terra dura apenas uns 4 milhões de anos…

Deste modo, se quiséssemos permanecer aqui por bilhões de anos…

Precisaríamos ser tão volúveis quanto os átomos que nos constituem…

Mas mais… Precisaríamos estar preparados para mudar tudo em nós…

Forma, tamanho, cor, espécie a que pertencemos, tudo!

E fazê-lo vezes sem conta…

Isto é mais fácil falar que de fazer, porque o processo de mudança é aleatório…

Passar do ‘glóbulo atômico primordial protoplásmico’ para um ser humano moderno…

Ereto e consciente, exigiu uma série de mutações…

Criadoras de novos traços, nos momentos certos, por um período longuíssimo…

Portanto, em diferentes épocas dos últimos 3,8 bilhões de anos…

Tivemos momentos de aversão ao oxigênio e depois passámos a adorá-lo…

Desenvolvemos membros e barbatanas dorsais ágeis, pusemos ovos…

Fustigámos o ar com uma língua bifurcada, fomos luzidios, fomos peludos…

E milhões de outras coisas…

Ui! Se nos tivéssemos desviado o mínimo que fosse...

De qualquer destas mudanças evolucionárias…

Poderíamos estar agora a lamber algas nalguma parede de uma caverna…

Ou a espreguiçar-nos como uma morsa em alguma praia pedregosa…

Além da sorte de nos confinarmos, desde tempos imemoriais...

A uma linha evolucionária privilegiada…

Fomos milagrosamente afortunados na nossa ancestralidade pessoal…

Consideremos, por exemplo, o facto de que, por 3,8 bilhões de anos…

Um período maior que a idade das montanhas, dos rios e dos oceanos da Terra…

Cada um dos nossos ancestrais por parte de pai e mãe foi suficientemente atraente…

Para encontrar um parceiro, suficientemente saudável para se reproduzir…

E suficientemente abençoado pelo destino e pelas circunstâncias…

Para viver o tempo necessário para isso…

Nenhum dos nossos ancestrais foi esmagado, devorado, afogado…

Ou desviado de qualquer outra maneira da missão…

De fornecer uma carga minúscula de material genético ao parceiro certo…

No momento certo…

A fim de perpetuar a única sequência possível...

De combinações hereditárias capaz de resultar…

Espantosamente e por um breve tempo… Em nós…

Pois… Então, brindemos ambos a este maravilhoso encontro atómico…

Saúde!

À Existência Eterna (ainda que enquanto poeira atómica)!”


(Inédito)

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