(Fotografia de Luís Borges)
“Ó
minh’Alma amada…
Tu
que és grande e generosa…
Ensina-me,
tu, com razão, a elevar o pensamento para a imensidão…
Mostra-me
os limites da tua divindade…
Tua
pátria que se estende por todo o universo até aos confins mais distantes…
Teus
mares… Tuas terras…
Onde
o ar separa e une ao mesmo tempo o mundo dos deuses e dos homens…
Sei
que todos os anos são teus…
Pois,
não há idade inalcançável ao pensamento…
Mas
quando surgir o dia em que se dividirá o que é humano e divino…
Que o meu corpo fique ali mesmo onde for encontrado…
E eu
me possa reunir também aos deuses…
Ah!
Como é longa esta espera da vida mortal…
Prelúdio
para uma outra existência, melhor e mais durável…
Um
outro nascimento me aguarda, pois…
Uma
outra ordem das coisas…
Mas…
Ainda não consigo suportar o céu senão de longe…
Por
isso, dá-me coragem para prever a hora decisiva…
Não
para ti, mas para o meu corpo…
Deixa-me,
então, olhar uma vez mais tudo o que me rodeia…
Pois
sei que estou de passagem…
A
natureza despoja tanto quem entra quanto quem sai…
Sim…
Sei também que não me será permitido levar mais do que tenho…
A
até o que trouxe para esta vida ao nascer aqui deverá ser deixado…
Perderei
a pele, o mais superficial dos meus envoltórios…
Perderei
a carne e o sangue que corre pelo meu corpo…
Perderei
os ossos e os nervos…
Tudo
aquilo que sustenta as partes informes e flácidas do meu corpo…
Mas
sabes, estou ansioso…
É
que nesse dia que temo como o último será o do meu nascimento para a eternidade…
Não,
não hesitarei…
É
como se já estivesse fora deste corpo, no qual permaneci escondido…
Não
fui eu também expulso com grande força do corpo de minha mãe?
E ao sair do aconchegante esconderijo do ventre materno...
Não soprou um ar fresco sobre
mim?
E,
ainda tenro e inexperiente, senti o estupor do desconhecido…
Já
não é, pois, novidade para mim apartar-me daquilo de que faço parte…
Abandonarei com serenidade este corpo que por tanto tempo habitei...
Ele
será consumido, vai sumir, acabará….
Não
tenho porque ficar triste...
Porque
haveria de me apegar tanto a estas coisas como se fossem minhas?
Apenas
estou coberto por elas…
Ah!
Deixa-me desfazer deste invólucro…
E,
libertar-me de vez de tudo o que me prende e que não é necessário…
Deixa-me
pensar em planos mais altos e mais sublimes…
Para
que os segredos da natureza me sejam revelados…
E
esta névoa que me encobre seja retirada e seja iluminado por uma brilhante luz…
Nenhuma
sombra abalará tal serenidade…
O
céu resplandecerá como um todo…
E, então,
poderei dizer que vivi nas trevas…
Quando,
em toda a plenitude, puder contemplar a totalidade da luz…
Que
agora só me é permitido vislumbrar pelas frestas dos meus olhos….
Como
será maravilhoso quando perceber que isto que agora me encanta…
Nem
de longe se equivale à luz divina que vou poder contemplar…
Por
favor, minh’Alma amada…
Faz
com que eu possa merecer a tua aprovação…
Prepara-me,
pois, para a tua presença futura…
E
para que não perca de vista a eternidade…”
(Inédito)
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